quinta-feira, 23 de julho de 2020


Vó Ablília

Quando tinha 14 anos minha mãe decidiu ir pra São Paulo, nos despedimos da Rua Marcos Aurélio número 36 no Tabuleiro dos Martins no dia 23 de dezembro de 1996, ela meu irmão e eu, pois meu pai e minha irmã já estavam lá.
Antes de partir fomos nos  despedir da Vó Abília que também morava em Maceió e não me lembro bem das conversas pois a casa da minha vó era como um paraíso encantado guardando lembranças da minha primeira e segunda infância e logo que cheguei fui junto a meu irmão explorar memórias e deixar as adultas conversarem.
Olhei mais uma vez o quintal com coqueiro, flor de Sabugueiro e cascas de laranja penduradas secando para fazer banho pra catapora, desânimo e chá pra gripe ou azia, um tanque construído para armazenar água que eu amava e morria de medo ao mesmo tempo, dois tanques de lavar roupa e louça, as cadeiras marrons esmaltadas com desenhos de flor onde vivia a lembrança de meu avô cortando as unhas do pé com um canivete e rindo das crianças reinando e gritando eufóricas enquanto seu inseparável chapéu sentava na cadeira ao lado.
Ali perto de onde ficavam as cadeiras era o lugar onde minha vó espalhava a torra de café.
Ela fazia um tipo de cocada com os grãos de café e açúcar, cozinhava por um tempo e depois espalhava no chão de cimento queimado enfarinhado, acredito ser farinha aquilo que forrava o chão, um tipo de farinha Alagoana bem fininha que substitui facilmente a de trigo tão usada no sudeste.
Então ela deixava aquela mistura esfriar,  e quando isso acontecia ela quebrava aquela superfície preta cheirosa em pedaços e moía os torrões no bater do pilão.
Certa vez tive o privilégio de fazer isso com ela que não gostava muito de crianças interferindo em seus ritos de casa e cozinha que rendiam resultados deliciosos, sabores que jamais esquecerei como carne de panela, bredo no côco e o marcante cheiro de café.
Na volta do quintal (nome dado a espaços aberto atrás da casa pois espaço aberto na frente da casa chamamos de terreiro), olhei mais uma vez os azulejos do banheiro, nunca esqueci a beleza deles, passei pela cozinha lugar de tantas partilhas, dos almoços de semana santa e de um universo de aprendizados onde morava um armário que eu achava lindo em tons branco e azul, a quartinha de água coberta por um copo de alumínio que deixava a água mais fresca pra beber e a temida bateria, um tripé de ferro com ganchos expostos onde penduramos panelas e que certa vez na casa da minha mãe, escalei tombando o bicho e quase perdendo um olho num dos ganchos que rasgou meu rosto reste as vistas.
Finalmente na sala a onde jazia a forte lembrança do velório do meu avô que se foi muito cedo, eu tinha apenas seis anos, mas também as lembranças festivas de der jogada pro alto pelo tio Ciço que estava alegre sempre com aquele vozeirão característico da minha família paterna e herdada por mim.
A estante já tinha tentado subir, derrubando os bibelôs da minha vó que também era minha madrinha, ainda me assusto com os cajús de barro pintados a mão caindo no chão e eu saltando feito um gato pra não ser esmagada e em seguida correr pela casa pra não apanhar da minha vó e sua temível havaianas de sola azul número 33 provavelmente.
De frente pra sala ficava os dois quartos, o primeiro que era de meu tio mais novo o tio Dorge que tinha colchão de capim que era duro mas cheiroso e fazia barulhinho quando a gente se mexia e o da minha vó, próximo a porta de saída e que guardava uns frascos de perfume de formatos fascinantes que denunciava ser aqui, algum tipo de coisa preciosa na qual eu não devia nem botar o olho.
Minha avó era leonina, mandona dona da casa, norte e das regras da família inteira. Todos a respeitavam como uma Deusa que do alto de seu um metro e meio ditava o que era certo a ser seguido pela família e o como o que era errado deveria ser banido de nossos corações.
Lembro do Semblante triste da minha vó, retido, contido como se anunciasse que insistir na felicidade fosse apenas baixar a aguarda pra mais dor.
Mas lembro também que quando em quando essa tristeza era rompida pela trovoada que anunciava a tempestade de sua gargalhada que era tão potente que parecia uma fera ganhando a selva novamente depois de tempos de prisão ansiando liberdade.
A cada dia que vivi com ela e mesmo hoje dezesseis anos após seu desencarne, vou entendendo os motivos de seu semblante triste e com isso tendo ideia do tamanho da sua força, e nada me deixa mais feliz comigo mesma do que saber que fui muitas vezes motivo de seus trovejos de alegria que rompiam o ar de qualquer canto da antiga casa da Chã da Jaqueira, com pés de nuvem no portão.
E foi alí no terreiro ao lado dos pés de nuvem que eu ouvi dessa mulher um dos ensinamentos mais importante da minha vida.
"Vá minha filha e nunca deixe ninguém dizer o que fazer da sua vida" 

sábado, 21 de dezembro de 2019

Festeiros raios maternos cruzam o céu por toda parte, tambores rufam e confetes de chuva começam a pingar enquanto crianças de todas as idades preparam seus gritos de euforia e a cachoeira dos filhos paulistanos escadão a baixo a rolar. Os carros reduzem a velocidade a vida se lava de felicidade só pra ver menina dos ventos passar.

Escritos de nove anos atrás

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Meu gosto é vulgar, é pop, simples, comum e meus atos corriqueiros.
Me contento com quase nada em que tudo caiba.
Não tenho medo de ser igual nem de ser diferente...tenho medo apenas de não ser eu.

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Caber ou não

Ele me tem mas não tem fé
Ele me tem mais acredita que não
Ele me tem pois quero lhe ter também
Ele me vê mas não sabe quem é
Ele me quer mas não caibo na mão
Ele me busca mas não me detém
Ele me ampara mais caio de pé
Ele me toma e esparramo no chão
Ele tem medo mas arrisca ir além
Ele navega e eu seguindo a maré
Ele aporta mas sou furação
Ele desespera e eu lhe faço refém
Ele perdoa e eu lhe faço café
Ele me pede e lhe amo no chão
Ele é um rei vindo de Ifé
Ele me oferece seu reino porém


Sou meu próprio império, sou meu próprio pão

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Fome

Um dia ele veio aqui e me comeu,

literalmente, com todos os dentes

mastigou aquilo que é meu

costas seios cintura

até o calcanhar e a curvatura ele mordeu

amassou minha massa

me apertou em sufoco, me espremeu.

E depois bem cansado

e um tanto rouco do quanto gemeu

me falou com os olhos

beijou minha fronte

laçou minha mão e adormeceu.



E anoiteceu chovendo...só vendo.

Amor gris

Nos cabelos de meu bem moram estrelas
Salpicando de luz a noite densa de seus pelos
Moram como se sempre fossem Dali
Brilham dali como se sabedoria fossem
Como se nem coubesse noutra teia
e alumeiam enfeitando a lua meia
de seu sorriso cheio.

Desaba o mundo

Como a mensageira maior do tempo
No ponto mais tenso entre o céu e o chão
Ela vem intensa, galopando o vento
Rasgando o firmamento num clarão
Ela vem nobre, vestida de cobre e
cobrindo de chumbo a imensidão.
Vem inundar a secura
vem banhar minha cura
vem curar meu coração.